O livro “eu, Francisco”, do Frei Carlos Carretto (Ed. Paulus, 9ª edição, 2007), escrito em 1980, ainda na época da Guerra Fria, é um livro narrado na primeira pessoa do singular, como se São Francisco de Assis fosse biógrafo de si mesmo. Essa forma de narrativa torna o livro bem interessante e diferente de outras biografias do santo.
Uma das passagens do livro (pp. 173 a 175) aborda o episódio do lobo de Gúbio de uma forma distinta daquela a que estamos normalmente habituados, trazendo uma mensagem de não violência muito atual.
Diz o autor:
“O episódio do lobo de Gubbio não é uma historiazinha para fazer criança dormir. É a verdade mais extraordinária para a salvação dos homens, especialmente hoje, quando os homens todos estão instalados sobre um imenso depósito de bombas.
Cada homem tem do outro homem a imagem do lobo.
Se se deixar tomar pelo medo e perde a calma diante dele, está tudo acabado: só resta disparar.
Por isso, o perigo que vocês correm não é a maldade dos norte-americanos ou dos russos.
O perigo que vocês correm é o medo de uns pelos outros.
Conheço suficientemente os russos e os norte-americanos para achar que eles não têm a mínima vontade de provocar uma hecatombe.
Mas conheço suficientemente o homem para saber que, se se deixar tomar pelo medo, tentará apertar o botão da destruição por medo de que o outro aperte primeiro.
Agora que, com seu talento, o homem conseguiu ter o que desejava e que, com sua técnica, conseguiu superar os limites que o continham antes, agora então é que emerge a verdade, a única verdade: o mal e a violência estão no medo do outro homem.
Se o homem fizer a guerra, é porque terá sentido medo de alguém.
Então, se vocês acabarem com o medo e restabelecerem a confiança, terão a paz.
A não violência consiste na destruição do medo.
Eis porque digo-lhes agora, eu, Francisco: aprendam a vencer o medo como eu fiz aquela manhã, andando ao encontro do lobo.
Vencendo a mim mesmo, venci o lobo.
Domando os meus maus instintos, também domei os seus; esforçando-me por confiar nele, descobri que ele também tinha confiança em mim.
Minha coragem estabeleceu a paz.”
O que há de diferente e que traz uma mensagem atual no episódio do lobo de Gúbio, na forma contada por Frei Carlos Carretto, é a mudança, por parte dos habitantes da cidade, da abordagem do confronto para uma abordagem de encontro, de não violência, a partir do momento em que eles, seguindo o exemplo de São Francisco, também venceram o medo, desarmaram-se e controlaram suas reações instintivas de aversão, indo ao encontro do lobo que se aproximava faminto e com frio, não com foices e machados, mas com alimentos, estabelecendo uma relação de confiança. “Não é que o lobo tenha se amansado, e sim que se tenham amansado os moradores de Gúbio”, conclui o autor.
Ou seja, antes, o lobo se comportava tal como era tratado. E isso muitas vezes acontece no nosso relacionamento com as pessoas; se tememos, rejeitamos, tratamos mal, excluímos, elas reagem da mesma maneira, sendo a própria imagem que temos delas.