LAUDATO SI’, UMA DÉCADA.

Rubem Perlingeiro
Rubem Perlingeiro
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Laudato si'

Rubem Perlingeiro

Há 10 anos (em 24.05.2015), o Papa Francisco lançava a Encíclica Laudato Si’
(Louvado sejas), sobre o cuidado da Casa Comum (embora tenha sido publicada em
junho de 2015, o Papa Francisco assinou o texto em 24.05.2015, conforme se verifica
na última página da Encíclica: “Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 24 de Maio
– Solenidade de Pentecostes – de 2015, terceiro ano do meu Pontificado”).
Pela primeira vez na história da Igreja Católica, um papa tratava exclusivamente da
crise ambiental que atravessamos. Lembrava que todos somos natureza: “o nosso
corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua
água vivifica-nos e restaura-nos” (LS, 2). Ao longo de seis capítulos, o pontífice faz um
diagnóstico da poluição e das mudanças climáticas, exalta a harmonia da criação,
denuncia como o sistema econômico contamina nossa Casa Comum (excessos do
capitalismo consumista), propõe uma “ecologia integral”, hábitos cotidianos alinhados
com um modo sustentável de viver, propõe linhas de ação e recomenda educação e
espiritualidade ecológicas, apontando que a atual crise climática é também uma
profunda crise espiritual da civilização moderna.

São Francisco de Assis, autor do belíssimo Cântico das Criaturas (que neste ano
completa 800 anos e serviu de inspiração para a Encíclica Laudato Si’), propõe que
reconheçamos a natureza como um livro esplêndido no qual Deus nos fala e transmite
algo da sua beleza e bondade: “Na grandeza e na beleza das criaturas, contempla-se,
por analogia, o seu Criador”, e “o que é invisível n’Ele – o seu eterno poder e
divindade – tornou-se visível à inteligência desde a criação do mundo, nas suas obras”
(LS, 12).

Por isso, São Francisco de Assis pedia que, no convento, se deixasse sempre uma
parte do jardim por cultivar, para aí crescerem as ervas silvestres, a fim de que, quem
as admirasse, pudesse elevar o seu pensamento a Deus, autor de tanta beleza.
A Laudato Si’ resgata a importância de cuidar do nosso planeta, a nossa Casa
Comum, e aponta a educação como um de seus fundamentos, enfatizando sua
importância para corrigir hábitos e forjar costumes mais corretos, mais responsáveis e
mais sustentáveis:

“A consciência da gravidade da crise cultural e ecológica precisa traduzir-se em novos
hábitos. Muitos estão cientes de que não basta o progresso atual e a mera
acumulação de objetos ou prazeres para dar sentido e alegria ao coração humano,
mas não se sentem capazes de renunciar àquilo que o mercado lhes oferece. Nos
países que deveriam realizar as maiores mudanças nos hábitos de consumo, os
jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e um espírito generoso, e alguns deles
lutam admiravelmente pela defesa do meio ambiente, mas cresceram num contexto de
altíssimo consumo e bem-estar que torna difícil o desenvolvimento de outros hábitos.
Por isso, estamos diante de um desafio educativo.” (LS, 209).

“A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objetivos. Se, no começo, estava
muito centrada na informação científica e na consciencialização e prevenção dos
riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica dos «mitos» da modernidade
baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência,
consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de
equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação ambiental deveria predispor-
nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu
sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os itinerários
pedagógicos de uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na
solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão.” (LS, 210).
“Às vezes, porém, essa educação, chamada a criar uma «cidadania ecológica», limita-
se a informar e não consegue fazer maturar hábitos. A existência de leis e normas não
é suficiente, a longo prazo, para limitar os maus comportamentos, mesmo que haja um
válido controle. Para a norma jurídica produzir efeitos importantes e duradouros, é
preciso que a maior parte dos membros da sociedade a tenha acolhido, com base em
motivações adequadas, e reaja com uma transformação pessoal. A doação de si
mesmo num compromisso ecológico só é possível a partir do cultivo de virtudes
sólidas. Se uma pessoa habitualmente se resguarda um pouco mais em vez de ligar o
aquecimento, embora as suas economias lhe permitam consumir e gastar mais, isso
supõe que adquiriu convicções e modos de sentir favoráveis ao cuidado do ambiente.
É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é
maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo
de vida. A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários
comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente,
tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o
lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo
os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo
com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isso faz
parte duma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser
humano. Voltar – com base em motivações profundas – a utilizar algo em vez de o
desperdiçar rapidamente pode ser um ato de amor que exprime a nossa dignidade.”
(LS, 211).

“E não se pense que estes esforços são incapazes de mudar o mundo. Essas ações
espalham, na sociedade, um bem que frutifica sempre para além do que é possível
constatar; provocam, no seio desta terra, um bem que sempre tende a difundir-se, por
vezes invisivelmente. Além disso, o exercício destes comportamentos restitui-nos o
sentimento da nossa dignidade, leva-nos a uma maior profundidade existencial,
permite-nos experimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo.” (LS,
212).

“Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir
efeitos durante toda a vida.” (LS, 213).

Como movimento educativo, o Escotismo tem um papel muito importante a
desempenhar, porque, como a própria Encíclica reafirma, “a educação será ineficaz e
os seus esforços estéreis, se não se preocupar também em difundir um novo modelo
relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza” (LS, 215).

O desafio está posto e é claro, cabendo a cada um de nós, que confiamos na
educação como a melhor solução para as grandes mudanças da sociedade, dar o
exemplo e estimular e ajudar os jovens a darem o melhor de si para melhorar a Casa
Comum que habitamos.

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