Dr. João Ribeiro dos Santos
É claro que com vinagre ou fel não se apanham moscas. A grande vantagem do Escotismo é que não se tem, para o menino, nenhuma aparência de educação. “Para pescar, colocamos no anzol a isca de que o peixe gosta e não aquela que nós gostamos”, diz Baden-Powell, o fundador deste que é o maior movimento juvenil de todo o mundo.
É aventura, camaradagem e alegria o que o jovem quer? No Escotismo ele terá tudo isso e sem a presença incômoda dos adultos … Porque o Escotismo é um movimento de rapazes quase totalmente dirigido pelos próprios rapazes. Lá, ele terá legalizada a liberdade de sair do círculo da família para se encontrar com um grupo de amigos e com eles viver experiências emocionantes.
Talvez, numa manhã de domingo, você já tenha visto um grupo alegre de meninos, uniformizados de azul e com um boné de jóquei na cabeça, indo para um passeio ou em visita a um museu. São os lobinhos, crianças de sete a dez anos, membros da uma Alcateia – como é chamada a seção que os reúne no Grupo Escoteiro. Os jogos e o riso aberto são os grandes educadores nesta idade. Ouvir histórias, atuar em dramatizações, cantar, fazer trabalhos manuais, juntamente com os jogos especiais que treinam os sentidos, a observação, a disciplina e a cooperação – este é o programa de atividades dos lobinhos.
E aqueles rapazes compenetrados que chamaram a sua atenção quando dirigiam os serviços de trânsito – numa época em que a cidade ficou sem guardas – ou colaboravam em campanhas de interesse público? Certamente, você os identificou: eram escoteiros. Jovens de onze a quatorze anos – em plena fase da “turma”. Nessa idade o rapaz faz parte, geralmente, de um pequeno grupo de amigos que se reúnem, traçam planos e realizam “coisas”. Essa necessidade social de se agregar e formar o “nosso grupo” pode conduzir os rapazes, mesmo de bons lares, às agressões e todas as formas de delinquência. Exatamente essas mesmas necessidades sociais que dão ensejo à criação da “turma” foram genialmente aproveitadas por Baden-Powell para constituir as Patrulhas.
As Patrulhas escoteiras são a marca original do Escotismo, talvez a mais forte razão do sucesso deste movimento. A “turma” que é uma patrulha elege entre seus membros o seu Monitor, organiza suas atividades, faz seu acampamento separado mesmo no acampamento de toda a tropa e entra em competição com as outras patrulhas. Aqui, realmente, o Escotismo torna-se uma atividade de rapazes dirigida pelos próprios rapazes. Os monitores dirigem a tropa, tendo o Chefe apenas como conselheiro. Eles integram a Corte de Honra, reunião secreta em que o Chefe tem o poder de veto mas nunca deverá usá-lo. A Corte de Honra é responsável pela defesa da honra da tropa, pela programação de atividades, conhecimentos técnicos, finanças, boa apresentação e boa organização. Quando há quebra da Lei Escoteira a Corte de Honra se reúne como poder judiciário. Nessas ocasiões, qualquer veredito deve figurar como decisão global da Corte e seus membros fazem ponto de honra em não discutir depois o voto ou a opinião emitidos durante a reunião. Cada patrulha, sob a presidência do monitor, também constitui um conselho que resolve sobre a vida da patrulha, admissão de novos membros, administração e disciplina. Cada um dos rapazes tem um cargo permanente: almoxarife, escriba, tesoureiro, mordomo, bibliotecário, recreacionista, além do monitor e do submonitor. O espírito da patrulha fará com que os rapazes se empenhem em escolher e se adestrar em especialidades técnicas, humanitárias, artesanais e artísticas que lhes dão bonitos distintivos e um acervo enorme de conhecimentos. As excursões, visitas, acampamentos, a vida mateira junto à natureza são outras tantas oportunidades que o Escotismo possui para dar têmpera ao caráter dos homens. Na tropa, os maiores educadores são os jogos competitivos, o sorriso e a boa ação. “O sorriso e a boa ação são nossa especialidade”, diz Baden-Powell, “a ausência do sorriso e da boa ação no cidadão médio são a origem dos nossos problemas sociais de hoje.”
Esse sistema de patrulhas é a mais perfeita escola de liderança e de trabalho coletivo que alguém poderia imaginar para um adolescente. Lá ele aprende a ouvir e a apresentar suas razões, a formar a sua opinião, a julgar, a planejar e executar. Essa preparação para a cidadania ativa e participante em situação séria e real é a melhor escola que se conhece até hoje para a vida democrática, a administração de empresas e a direção de negócios públicos.
Quando o rapaz atinge a idade de dezesseis anos nada tem em comum com um garoto de doze anos e não gosta geralmente de se misturar com ele, exceto se for para dominá-lo, dirigi-lo, escravizá-lo! Para ele foi criada a Tropa de Escoteiros Seniores, com atividades mais de seu agrado: aventuras reais, experiências de resistência física e moral, longas viagens, escalada de montanhas, acampamento em plena selva ou lugares desertos. Já aos dezoito anos, poderá entrar para o Clã de Pioneiro, uma fusão de um clube de amigos e um clube cívico – como o Lions e o Rotary – dedicado a servir à sociedade, onde o Pioneiro termina a sua autoeducação, como futuro esposo e pai, na sua profissão ou negócio ou como líder de outros homens. Todo o Escotismo, como se vê, não é mais que um longo caminho para o sucesso. Mas sucesso, diz Baden-Powell, não é riqueza, nem posição nem poder. O único sucesso verdadeiro é a felicidade que se alcança quando a proporcionamos aos outros.
Convivência e união; amizade e fraternidade; boa ação, serviço ao próximo e à comunidade: que é tudo isso senão a aplicação prática do pensamento social de nossos dias? Que é tudo isso senão o caminho da autorrealização? Na verdade, quando incentiva a alegria em face das dificuldades, quando lembra que os pensamentos devem ser conduzidos pelo amor, quando afirma que só seremos felizes tornando os outros felizes, quando proclama que o escoteiro deve ser ativamente bom, o Escotismo está preparando o homem novo, comunitário, sempre alerta para a prática de uma boa ação.
*Artigo publicado originalmente em junho de 1965 em um suplemento especial sobre Escotismo da Revista Seleções, da editora Reader’s Digest.
Que beleza de texto! Obrigado por compartilhar!
Nasci em 1971.
Me identifico muito com as ideias do artigo e acompanho os resultados através de meus filhos (um de 21, que chegou na Alcateia e hoje é Chefe, outro de 15, que chegou na Alcateia e hoje é Sênior). Acho que sempre será atual, mas hoje vejo gerações cada vez mais confinadas às suas telas, sem olhar ao seu redor. A ponto de sequer saberem andar em seus bairros e localizar suas residências.
O que quero dizer é que percebo uma redução significativa de jovens nas ruas, parques e outros ambientes nos quais invariavelmente encontrávamos, aos sábados e alguns domingos, Escoteiros.
Para aqueles pais e responsáveis de primeira viagem, o Movimento Escoteiro sempre é imaginado como recreacional. Aos que entendem ser um braço educacional não formal e ficam (muitos desistem quando falamos no compromisso e frequência), contamos com um boca a boca para aumentar o alcance, mas justamente em função da redução de “público” que citei, percebemos dia após dia a dificuldade de crescimento das Unidades Locais.
Antes do boom da tecnologia, as atividades escoteiras conviviam pacificamente com as atividades de fim de semana. Hoje a balança está desequilibrada. Ao se tornar uma ALTERNATIVA ao vício digital, percebemos que crises de abstinência ampliaram suas fronteiras e vemos a dificuldade em nos tornarmos “clínicas de reabilitação”.
Hoje temos jovens arredios e desrespeitosos. Velhos adultos indo embora pois não aceitam que o esforço HOJE é maior. É justo. Afinal de contas é voluntário.
Contemos com quem fica. E que estes sejam hábeis na utilização da tecnologia para que os jovens Chefes que ainda acreditam, conseguirem manter a tradição fundamentada em valores universais.
Muito obrigado por mais essa pílula de sabedoria.
(era um simples comentário. Virou um manifesto).